
30/09/2025 | Redator
Para contextualizar, o pesquisador Dirk-jan Mollema descobriu uma falha crítica no Entra ID (antigo Azure AD), identificada como CVE-2025-55241. Essa falha permitia usar tokens chamados “Actor tokens” para criar credenciais impostoras em qualquer tenant, inclusive assumindo perfis de Global Administrator, sem passar por MFA, sem que logs fossem gerados e sem acionar políticas de acesso condicional (“Conditional Access”).
Em termos menos técnicos: era como se alguém conseguisse um crachá interno (invisível) e pudesse acessar qualquer sala (tenant) como se fosse VIP, sem ser detectado, e fazer tudo o que quisesse.
Embora tenha sido corrigido antes de aparecer a exploração confirmada, o potencial era alarmante.
As vulnerabilidades do Entra ID da Microsoft podem ter sido catastróficas. Veja a matéria completa!
Normas de segurança da informação
Para firmar o paralelo: Normas como ISO/IEC 27001, NIST SP 800-53 / 800-171, ou mesmo exigências regulatórias como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) no Brasil, trazem elementos centrais que, se bem implementados, teriam mitigado ou até impedido que esse tipo de falha virasse desastre.
Vou destacar as principais cláusulas ou controles normativos que “estariam em jogo” em um cenário ideal, e o que mudaria se fossem realmente respeitados:
Controle / Requisito normativo |
Relação com o caso Entra ID |
O que mudaria se estivesse bem implementado |
Controle de Identidade e Acesso (Identity & Access Management, IAM) |
O ponto central: tokens foram usados para escalar privilégios sem verificação adequada. |
Normas exigem autenticação forte, segregação de funções, revisão periódica de privilégios e “least privilege”. Se esses princípios fossem restritos e bem auditados, mesmo com o bug, dificultaria bastante o uso indevido. |
Registro e Monitoramento (Logging and Monitoring / Audit Logging) |
A falha era que os tokens forjados não geram logs no tenant alvo, ou seja, invisíveis. |
Normas exigem que ações críticas sejam registradas e auditáveis. Se a arquitetura tivesse “falha segura” (fail secure) ou roteasse logs de APIs legadas para sistemas centralizados, haveria rastros, alertas ou correlações que levantam suspeita. |
Gestão de Vulnerabilidades e Ciclo de Patch (Patch Management / Vulnerability Management) |
O bug existia em componentes legados, como o Azure AD Graph API, que estava em processo de depreciação. |
Normas exigem avaliação contínua de vulnerabilidades, planejamento de migração e mitigação de riscos de sistemas legados. Se isso fosse rotina, esses componentes fracos já estavam desativados ou isolados muito antes. |
Controles de Autorização e Revisão de Privilégios (Least Privilege, Separation of Duties) |
O atacante poderia assumir privilégios máximos indevidamente. |
Se os privilégios fossem restritos e cada ação sensível exigisse dupla autorização ou revisão humana, o impacto seria contido mesmo com exposição. |
Controle de Acesso Condicional / Políticas de Segurança (Conditional Access, Zero Trust) |
Um dos problemas: o token “bypassava” as políticas de Conditional Access. |
Normas modernas falam em “defesa em profundidade”. Mesmo que um token furasse um nível, haveria múltiplos controles, verificações contextuais de risco (IP, dispositivo, horário etc.). |
Gestão de Risco e Planejamento de Continuidade (Risk Management, Business Continuity / Incident Response) |
A organização não poderia revelar nem estimar claramente se foi ou não alvo; o risco latente era elevado. |
Normas pedem planejamento, simulações de incidentes, identificação de riscos críticos e estratégia de resposta. Nesse caso, haveria gatilhos prontos para investigação imediata e contenção. |
Segurança de APIs e Interface Legadas (Secure Development, API Hardening) |
O vetor de ataque foi, em parte, o uso da API legada mal validada (Azure AD Graph). |
Normas mais modernas e frameworks de segurança de API exigem validações fortes de origem, verificação de integridade ou assinatura de tokens, limitação de acesso e monitoramento específico dessas interfaces. |
Auditorias independentes / Revisão periódica (Internal / External audit) |
Se uma auditoria tivesse examinado o uso de APIs legadas e tokens internos, provavelmente essa falha teria sido detectada mais cedo. |
Auditorias exigem que componentes legados, sistemas internos e fluxos críticos sejam revisados por especialistas externos. |
Treinamento e Conscientização (Awareness / Training) |
Equipes de desenvolvimento e arquitetura muitas vezes não sabem que mecanismos internos (como Actor tokens) são potenciais alvos. |
Normas preveem treinamentos regulares sobre ameaças emergentes, “red teaming” e hipóteses de ataque. Isso eleva o nível de atenção para esferas menos visíveis. |
Se cada uma dessas camadas tivesse sido implementada com rigor, o Entra ID ainda poderia ter essa falha, mas o escopo do dano seria menor, detectável ou contido precocemente.
Um cenário ideal “se a norma estivesse em jogo”
Imagine uma empresa chamada “AcmeCorp” que usava Entra ID para autenticação em seus sistemas na nuvem. Essa empresa segue uma política robusta de segurança da informação, baseada no padrão ISO/IEC 27001:
Inventário e mitigação de APIs legadas
Antes de deixar uma API “legada” operando, como o Azure AD Graph, a AcmeCorp já teria avaliado riscos, colocado travas intermediárias e migrado aplicações para APIs mais seguras (por exemplo, Microsoft Graph). Teria isolado o legado dentro de um perímetro controlado ou bloqueado acesso externo.
Implantação de controles de token e verificação de assinatura
Mesmo que existissem “Actor tokens”, haveria políticas que exigem que tokens usados externamente sejam assinados, verificados, que a origem do tenant seja validada, e que tokens internos não possam ser usados para elevar privilégios em outro tenant.
Revisões periódicas de privilégios e segregação de funções
Mesmo se alguém obtivesse privilégios, essas contas seriam revisadas, comparadas e logadas. Qualquer elevação fora do padrão dispararia alerta.
Monitoramento centralizado com correlação de logs
Todas as atividades das APIs, mesmo componentes legados, enviam logs para um SIEM ou solução de análise central. Se uma instância ou serviço agir de forma anômala (ex: token usado de outro tenant), um alerta seria gerado.
Resposta a incidentes e simulações regulares
A AcmeCorp já teria planos de resposta para cenários de credenciais elevadas, com times de contenção e playbooks testados. Se algo estranho fosse detectado, isolavam o tenant, bloqueavam uso de novos tokens e investigavam imediatamente.
No caso da falha descoberta por Mollema, a AcmeCorp poderia:
- Detectar um uso estranho de token em APIs internas
- Acionar um alerta automático de “anomalia de identidade”
- Desconectar o componente legada ou exigir escalonamento manual
- Verificar histórico, comparar com padrões normais
- Isolar o componente comprometido e remontar um novo ambiente seguro
Ou seja: trata-se de mudar o “efetivado” para o “possível”, limitando gravidade, reação e impacto.
Por que essas normas “fazem sentido” e não são só papéis bonitos
Se você que me lê acha que cumprir normas é só burocracia, a história do Entra ID demonstra o contrário: são guardiões estruturais contra falhas sistêmicas. Quando um componente aparentemente seguro, usado internamente por um fornecedor, pode ser transformado em vetor de ataque global, estamos falando de riscos que atravessam fronteiras de empresa.
Além disso:
- Normas criam linguagem comum entre gestores, TI, compliance e auditoria.
- Forçam rigor e periodicidade: não adianta “implantar hoje e esquecer amanhã”.
- Permitem que empresas sejam avaliadas em terceiros (clientes, órgãos reguladores), mostrando maturidade e responsabilidade.
- Ajudam a responder melhor e mais rápido quando algo dá errado (porque já foi pensado, simulado, documentado).
Os Desafios da Proteção de Dados Pessoais na Era Digital
O que você, gestor ou líder, pode fazer daqui para frente
Ok, tudo isso soa muito técnico. Mas na prática, se você estiver à frente de segurança ou TI na sua empresa, aqui vão passos palpáveis (sem linguagem de manual) para “entrar em ação”:
Pergunte: “Quais APIs legadas ainda usamos?”
Faça um inventário: “Usamos algo que está depreciado ou herdado?” Se sim, priorize a migração ou isolamento.
Reveja privilégios com frequência real
Não deixe contas administrativas “permanentes”. Toda elevação fora do padrão deve ser revista com justificativa.
Centralize logs: até dos sistemas mais obscuros
Se tiver um sistema legado que “ninguém mexe”, mas que faz parte da autenticação, faça com que gere log para um sistema centralizado.
Simule cenários de ataque invisível
Crie hipóteses de “ataque que não aparece em log” e veja se sua equipe consegue detectar, é como testar um alarme no escuro.
Garanta cultura e treinamento contínuo
Todo software, todo token, toda API pode ser alvo. Mantenha times conscientes e monitorando o que parece “invisível”.
Adote normas ou frameworks sérios
ISO 27001, NIST, CIS, não importa qual, o importante é seguir uma direção reconhecida. Usar “norminha de papel” não vai barrar falhas como essa.
Conclusão
A falha no Entra ID mostrou que até mecanismos internos, invisíveis ao olho comum, podem gerar risco extremo.
Normas de segurança bem aplicadas não evitam 100% dos bugs, mas transformam essas falhas em “problemas contidos” e “incidentes visíveis”.
O diferencial de empresas maduras em segurança está na resiliência, visibilidade e postura de resposta, não na promessa de “tudo perfeito”.
Para quem decide: não espere ficar vulnerável. Comece pelo inventário, migração de legados, monitoramento e uma estrutura normalizada de segurança.
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Vulnerabilidade Microsoft Entra ID
Azure AD falha de segurança
CVE-2025-55241
Actor tokens Entra ID
Segurança da informação
ISO/IEC 27001
NIST SP 800-53
LGPD e segurança de dados
Gestão de identidade e acesso (IAM)
Zero Trust
Conditional Access
Logging e monitoramento de segurança
Gestão de vulnerabilidades