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Na contramão dos pilares ESG

Capitalismo anti-ESG pode ser visto como um fomento a um mundo de excluídos

A enxurrada de fundos ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) no mercado denota que os investidores buscam empresas comprometidas com o clima, que valorizem a sustentabilidade social, uma governança ética e tenham uma abordagem negocial de longo prazo. Na contramão desses investimentos ESG, surgiu a Listed Fund Trust (ETF) BAD. Estes fundos são gestores de uma espécie de “investimentos anti-ESG”, sem compromissos com questões sociais, de sustentabilidade ou com a transparência pelas quais as corporações são administradas.

Haveria, portanto, um movimento de retorno ao modelo do capitalismo acionário (Shareholder Capitalism), sobrepujando a busca por lucros à proposta de responsabilidade social corporativa. Lançada no final do ano passado, essa cesta de investimentos (ETF BAD) contém ativos como álcool, drogas lícitas, jogos de azar, contando com a participação de empresas brasileiras. Não se sabe se irá valorizar, mas está ganhando muita publicidade, sustentando que os interessados estão investindo em áreas que o mercado está evitando e que isso pode se tornar um nicho promissor.

Os Fundos BAD poderão — ou não — evoluir e turbinar o “capitalismo anti-ESG”, em contraponto ao capitalismo de stakeholders, capitalismo consciente ou Corp B[1], sintonizados com os pilares ESG. Os Fundos BAD, nessa nova versão do antigo Shareholder Capitalism, caminha para empregar a mesma fórmula já utilizada anteriormente, em interpretação extremista da cartilha do economista Milton Friedman, de que as empresas trabalham para assegurar lucro máximo aos seus acionistas e não para se preocuparem com o bem-estar social. Essa teoria teve um longo reinado de 40 anos. Ou seja, na cadeia dos stakeholders, os acionistas sempre ocuparam o topo.

Esse modelo alimentou um caldeirão de controvérsias décadas afora, sustentado por argumentos discutíveis e desinformação, como aqueles fomentados contra as mudanças climáticas nos Estados Unidos, de cunho econômico. Porém, a verdade é uma só: “Reduzir a quantidade de CO2 despejado na atmosfera significa reduzir drasticamente a quantidade de combustível fóssil consumida. O que significa mudar a base de toda a economia do planeta e alterar nossos hábitos pessoais mais arraigados. Mesmo nos melhores cenários, isso envolverá algo mais como uma revolução do que uma correção técnica” [2].

Em caminho oposto, a história dos investimentos sustentáveis, origem do capitalismo de stakeholders e do capitalismo consciente, tem início nos anos 1970. O primeiro fundo sustentável criado foi o Pax World, vinculado à Igreja Metodista, que firmou posição contra empresas que sustentavam a Guerra do Vietnã, na qual morrerem 58 mil soldados norte-americanos e cerca de 3 milhões de pessoas e houve uso de armas químicas e violações aos direitos humanos só comparáveis à Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Os pilares éticos e a necessidade de mudanças no mercado de capitais foram, em grande parte, moldados em sua origem pelos investidores religiosos. Além dos metodistas, quakers e muçulmanos também acabaram propondo e criando carteiras de investimentos que evitassem negócios que conflitassem com sua fé, caso das indústrias de álcool, tabaco, jogos de azar e armas.

Dessa forma, as crenças e suas normas éticas contribuíram para o surgimento do que seriam, no futuro, os fundos sustentáveis. Seu grau de influência foi tão expressivo que em 1977 foi criado pelo reverendo afro-americano Leon Sullivan os Princípios Sullivan para empresas americanas que operavam na África do Sul, que serviu de inspiração para o Pacto Global da ONU e cujo preâmbulo já contém a semente ESG:

“Os objetivos dos Princípios Globais Sullivan são apoiar a justiça econômica, social e política das empresas onde fazem negócios; apoiar os direitos humanos e incentivar a igualdade de oportunidades em todos os níveis de emprego, incluindo a diversidade racial e de gênero nos comitês e conselhos de tomada de decisão; treinar e promover trabalhadores desfavorecidos para oportunidades técnicas, de supervisão e de gestão; e ajudar com maior tolerância e compreensão entre os povos; assim, ajudando a melhorar a qualidade de vida das comunidades, trabalhadores e crianças com dignidade e igualdade”. [3]

Portanto, além de lutar contra os conflitos bélicos e pela defesa de teses ecológicas, os fundos sustentáveis pioneiros também visaram o pilar “S” ao se posicionarem contra o apartheid na África do Sul, a política de segregação racial, que proibia aos negros terem acesso ao voto, a propriedades, ao casamento interracial e que condenou à prisão perpétua o líder Nelson Mandela. As leis raciais sul-africanas somente caíram no início dos anos 1990, três décadas depois que os Estados Unidos tinham aprovado o Civil Rights Act (Lei dos Direitos Civis), que proibia a discriminação com base em etnia-raça, gênero, religião etc.

A fórmula para atingir o desenvolvimento sustentável, nas palavras do economista e consultor da ONU para Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Jeffrey Sachs, espelha os critérios ESG em consonância com o capitalismo consciente ou de stakeholders, sendo aplicável igualmente às nações e às corporações: “Os Estados Unidos, tanto quanto o Mali, têm de aprender a viver de forma sustentável. Os países ricos, tal como os países pobres, têm de promover mais inclusão social, igualdade de gênero e, claro, sistemas energéticos resilientes e com baixas emissões de carbono”. [4]

O capitalismo de stakeholders ou capitalismo das partes interessadas, que envolve funcionários, clientes, fornecedores, acionistas e comunidade em que uma empresa está inserida, começou a ganhar mais visibilidade com o Manifesto de Davos de 2020, do Fórum Econômico Mundial, ao expressar que as empresas devem ter compromissos com a defesa do meio ambiente, dos direitos humanos, da sustentabilidade e do futuro do planeta.

Foi antecedido por uma declaração pública da Business Roundtable, entidade que reúne as mais importantes lideranças corporativas dos Estados Unidos, reforçando o compromisso em servir todos os stakeholders — e não apenas os acionistas. A ideia do valor compartilhado, do qual todos se beneficiam, expandiu-se inicialmente nas empresas públicas que precisavam atender às demandas de diferentes stakeholders. Certamente, as empresas privadas não estão mais fechadas em si, sofrem as pressões dos investidores, reguladores públicos, parceiros negociais, mídia e sociedade e trabalham para deixar o modelo do capitalismo de acionistas e criar valor para todos igualmente em sua cadeia diante de um novo modelo de capitalismo.

Na mesma sintonia, o capitalismo consciente, embora também busque o lucro, propõe criar valor além dele, ampliando os vínculos com os critérios ESG. É o capitalismo unido à conscientização, como definem o empresário John Mackey e o professor de negócios Raj Sisodia, que popularizaram o conceito:

“A palavra ‘consciente’ tem muitas conotações para as pessoas. Nós o definimos como estar atento e desperto, vendo a realidade como ela é e não como desejamos que ela seja, reconhecendo e sendo responsável por todas as consequências de nossas ações, tendo uma melhor noção do que é certo e errado, rejeitando a violência como forma de resolver problemas e estando em harmonia com a natureza”. [5]

É importante ressaltar que o capitalismo consciente se distancia da responsabilidade social corporativa porque suas ações não estão vinculadas a promover programas de filantropia e esforços voluntários para apoiar comunidades vulneráveis e agregar valor à marca. Tem uma perspectiva muito mais abrangente: desejam criar novos valores éticos para empresas que almejam ser lideranças socialmente responsáveis e inspiradoras.

O escritor moçambicano Mia Couto diz com sabedoria que “quem vive num labirinto tem fome de caminhos” e essa frase se ajusta muito bem ao cenário que vivemos hoje de um mundo à procura da transição energética, sustentabilidade, saídas para um futuro mais promissor. [6] Nem sempre há consenso sobre essas metas. Investidores, empresas e stakeholders convergem e divergem em muitos pontos e se lançam na estrutura de um labirinto, que precisa ser decifrado, porque os valores predominantes vão direcionar as ações e apontar as possíveis saídas.

Há um senso de urgência expresso nesse contraponto entre o capitalismo consciente ou de stakeholders e o capitalismo anti-ESG, que pode se materializar em um intrincado labirinto, onde sempre haverá a presença do “Minotauro da vez”, neste caso os Fundos BAD, sendo que passagens, veredas e caminhos confusos — que constituem o labirinto – não levam a lugar algum. Na verdade, visam a impedir a fuga do monstro. O mercado financeiro e o universo corporativo estão percorrendo o labirinto capitalista atrás de seus minotauros, uma metáfora do que condenamos e queremos esconder.

Nesse labirinto, o capitalismo anti-ESG pode ser visto como um fomento a um mundo de excluídos, mais quente, com escassez de recursos, com crise hídrica, insegurança alimentar, crescimento dos eventos extremos e extinção de boa parte da biodiversidade. O capitalismo de stakeholders ou consciente, pelo contrário, busca demonstrar que o “velho capitalismo” quer se renovar nesses tempos líquidos.

Tanto que na carta deste ano, o influente Larry Fink, CEO da maior gestora de investimentos do mundo e especialista sempre consultado pelos presidentes norte-americanos diante de decisões econômicas importantes, diz que o capitalismo está em constante reinvenção e que nunca houve tantos ativos (US$ 400 trilhões) para que novas ideias se tornem realidade, viabilizem a descarbonização da economia global, impulsionem a inovação, ajudem as pessoas a alcançar um futuro melhor e permitam que as empresas definam melhor seu papel na sociedade [7]. É um recado claro e direto em defesa de uma saída transformadora via pilares ESG, até porque o capitalismo e a sociedade têm fome de novos caminhos.

[1] A certificação B Corp é voltada a empresas que adotam voluntariamente padrões de desempenho socioambiental, passando por processo de certificação e tornam esses resultados públicos, optando por dar peso maior ao capitalismo de stakeholders do que ao dos acionistas, sendo que esses compromissos precisam estar especificados nos documentos da empresa. Há 39 empresas brasileiras no ranking da B Corp.

[2] Disponível em Bill McKibben, “Climate of Denial”, Mother Joneshttp://www.motherjones.com/politics/2005/05/climate-denial .

[3] Disponível em: http://michiganintheworld.history.lsa.umich.edu/antiapartheid/files/original/32720fa65a6e9fc6ace836cb5e5b4393.pdf

[4] SACHS, Jeffrey D. A Era do Desenvolvimento Sustentável. Lisboa: Almedina, 2019.

[5] Disponível em https://hbr.org/2013/01/cultivating-a-higher-conscious

[6] COUTO, Mia. E se Obama fosse africano?. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

[7] Disponível em https://www.blackrock.com/corporate/investor-relations/larry-fink-ceo-letter

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